segunda-feira, janeiro 19, 2004

Interessante notícia hoje sobre a atribuição de quotas a imigrantes. É uma solução que me parece digna de atenção: por um lado, tem em atenção a falta de mão de obra e insuficiente crescimento demográfico do país; por outro, permite o controle de sentimentos xenófobos.

Mas em todo o caso não resolve o problema da imigração ilegal. É um facto: a procura (pessoas a quererem entrar na Europa) é muito superior à oferta (disponibilidade desta para os aceitar). Claro que o nosso problema não é tão grave como o da vizinha Espanha. Mas existe.



Se me é permitido, devo notar que é um problema que me parece advir tanto da falta de racionalidade à sua volta como da disparidade no nível de vida entre o mundo ocidental e África.

Falta de racionalidade porque o estabelecimento de quotas e outras formas de controle de entradas de estrangeiros é provocada por sentimentos irracionais, como a xenofobia. O facto é que a população europeia tem aumentado demasiado devagar (e vai começar a diminuir) para manter um crescimento económico sustentado, pelo que os imigrantes são uma benesse. Por outro lado, estes imigrantes vêm para trabalhos que os europeus já não querem fazer, pelo que é um mito que roubem empregos. Aliás, mesmo que roubassem empregos, estariam a aumentar a competitividade no mercado de trabalho, o que no longo prazo é benéfico.

Não que entenda que se deva permitir a entrada de todos os que o queiram. Há graves problemas associados. A nível social temos a falta de capacidade de integração que certas comunidades demonstram. Mas isto, em princípio, resolve-se com o decorrer do tempo, pelo que é uma situação episódica.
O verdadeiro problema é o princípio da dignidade humana, por estranho que pareça. O facto de os países da União Europeia propugnarem condições de vida mínimas não só aos seus nacionais, mas também aos estrangeiros e apátridas nele residentes (o que será um imperativo de consciência e convivência social), leva a que os sistemas de apoio não tenham capacidade para "tratar" todos aqueles que desejam vir para a Europa.

É um dilema curioso: os emigrantes querem vir para a Europa por nela a qualidade de vida ser superior, mas os europeus não os querem (ao menos em parte) por não lhes ser possível garantir condições mínimas de subsistência.

E aqui entronca a segunda parte da equação: o problema é estrutural, pelo menos enquanto as assimetrias norte-sul se mantiverem. E é natural que assim seja. Toda a História demonstra que os grandes centros económicos são os locais mais cosmopolitas, não só pela dimensão das relações de troca que neles se estabelecem, como pelo poder de atracção que exercem.
Apenas com a resolução destas assimetrias deixará de haver a pressão migratória que neste preciso momento a Europa sente. Ou isso, ou por uma regressão tecnológica nada previsível, que limite as possibilidades de deslocação (já aconteceu; a Idade das Trevas é o exemplo óbvio).

O curioso é que o problema, em grande medida, não o é: a Europa precisa de habitantes, e o problema da sustentabilidade da Segurança Social não resulta dos imigrantes.

A solução americana (vinde a nós as almas cheias de fome, etc., e desenrascai-vos) não tem raízes na tradição europeia.

A solução europeia ainda está a nascer.

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