domingo, junho 17, 2007

O Santo António? C'est fini, et le Saint Pierre va se finir aussi
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Deitado no sofá quarta feira passada à uma e qualquer coisa da manhã, enquanto digeria o final do Se7en, começou no primeiro canal do serviço público de televisão um filme chamado «DANS LA VILLE BLANCHE", uma co-produção luso-suiça em que todos os estereótipos possiveis sobre Lisboa passaram ao ecrã: um marinheiro tocador de harmónica sem um tusto abandona o deck do seu navio numa manhã solarenga, passeia junto ao Tejo em direcção a Belém apenas para dar por si a subir Alfama (!), depara-se com uma linha de eléctrico que, sem surpresa, era a do 28 (direcção Prazeres), anda à pendura perante a impassividade dos transeuntes, passeia-se por ruas com uma inclinação superior a 20% (como todos sabemos, não há vias de circulação planas em Lisboa), vê mercados de peixe em tudo semelhantes aos de uma medina marroquina, entra numa pastelaria em que a empregada não só é gira como fala fluentemente francês e discorre sobre a natureza do tempo e a transitoriedade das imagens quando lhe pedem uma cerveja, aluga um quarto de 150 metros quadrados com uma varanda ainda maior no que só posso deduzir tratar-se o Palácio das Janelas Verdes, envolve-se em arruaças inóquas com outros marinheiros em bares para chamar a atenção das diversas meninas que por lá andam, e escreve cartas à mulher que tanto ele como ela fazem o favor de ler em voz alta de forma tão clara, lenta e articulada que dei por mim a testar os meus pobres conhecimentos de alemão. Algures durante o filme adormeci, mas não será demais especular que a jovem empregada de pastelaria (que, por milagre, também lhe limpa o quarto todas as manhãs) descobrirá, depois de uma noite de fados vadios e sardinhas regada por um tintol da casa, que lhe apetece ficar a dormir no quarto dele (talvez para poder despachar trabalho mais cedo).
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O filme é de 1983, e mesmo nessa altura esta imagem de Lisboa já devia ser caricatural e saudosista (alguém me consegue dizer em que altura da sua História é que Lisboa foi branca?), de uma forma a que só uma cidade que tolerou sem pestanejar 40 anos de salazarismo e que é habitada por portugueses que nunca emigraram se poderia prestar. O que resulta impressionante é que é exactamente esta ideia que fingimos recuperar todos os anos a 13 de Junho com as Festas Populares de Santo António e as respectivas Marchas Populares (que, não é demais lembrá-l0, datam do início do Estado Novo).
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Este ano voltei a subir o Castelo, como tenho feito nos útlimos sete anos. Começando junto à Praça das Cebolas, entre o fumo de sardinhas a grelhar e o som de Tony Carreira, trepei até à Sé e daí até à Calçada Marquês de Tancos. A multidão era a do costume, apenas mais nova, e a sensação de que a festa de popular não tinha nada resultava clara. Uma mera desculpa para ir beber copos para o Castelo e sujar as ruas é o que preside às intenções da larga maioria dos intervenientes, pelo que a descoberta de uma varanda em que se ouvia soul e blues me pareceu perfeitamente adequada à situação, e bem mais confortável: se na realidade as festas não são populares, ao menos que o sítio seja agradável e a música a nosso contento. E que evitemos ir para a confusão do Miradouro de Santa Luzia ou para a Bica, onde pessoas como nós, que se portam como nós e que na realidade conhecemos de todos os dias vão para fingir que estão a fazer qualquer coisa de original entre populares (que poucos são e concerteza não vão para lá) em vez do mesmo de todos os dias.
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Porque de popular essa Lisboa não tem nada. E o pouco popular que subsiste é em pequenas festas de bairro que pouco mais são que encontros entre vizinhos.

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