quinta-feira, outubro 12, 2006

Este Prémio não foi de Literatura

O escritor turco Orhan Pamuk, 54 anos, foi galardoado com o Prémio Nobel da Literatura 2006.

Para começar, vamos clarificar as águas: eu nunca li o que quer que fosse deste senhor. Nunca o vi mais alto, baixo, magro ou gordo. Sobretudo, não faço ideia se merecia ganhar o Prémio ou não (até parece que sim).

Mas no entanto sei quem o senhor é. Era o líder incontestado de todas as bolsas de apostas sobre o vencedor do Nobel da Literatura 2006, desde que se lembrou de denunciar o genocídio de sobre os curdos e os arménios pelos turcos. E, sobretudo, desde que foi acusado de “ofensa contra a nação turca” e esteve em risco de ir preso.

À Academia fugiu-lhe a boca para o trombone quando explicou (uma frase, uma linha e meia, o comunicado) que o “Turco” tinha ganho o Nobel pelo seu trabalho que reflecte o cruzamento de culturas.

Porque é isso que interessa à Academia: realçar como a cultura turca é retrógrada; insinuar que não está ao nível das sociedades ocidentais (e especialmente da União Europeia); e premiar ainda mais um artista que acredita nas coisas certas, especialmente quando sofre pela sua fé (e sofrerá? Já em Fevereiro se insinuou que a denúncia do genocídio tinha sido uma manobra para ganhar o Nobel).

Mais uma vez, admito que o senhor tenha merecido ganhar o Nobel. Mas o timing é tudo, e quando se premeia uma postura política em vez de uma obra literária, premeia-se quem adere a uma determinada visão artística, falseia-se o resultado e desvaloriza-se o Prémio e o seu recipiente.

A Literatura está para o activismo político como Deus está para uma das suas Igrejas: estes últimos são cultos locais de uma verdade mais vasta, e quem não o percebe envereda por caminhos perigosos.