sexta-feira, outubro 21, 2005

Desculpem lá a chatice

Mas que Shakespeare é um génio já se sabe. E às vezes isso nota-se , como na descrição de Shylok n"O Mercador de Veneza". Para começar, compare-se com "O Judeu de Malta", de Marlowe, que a peça tenta emular.
O judeu é um vilão, precisa e unicamente por ser judeu. A mensagem que se pretende é profundamente anti-semita. Mas, para um homem que provavelmente nunca terá visto um judeu na vida, a compreensão que demonstra da paranóia e do ambiente em que um viveria é notável (até por comparação com a descrição inacreditavelmente vil d"O Judeu de Malta", de Marlowe). E não é só o facto de haver indicações de que a peça amainava, em situações tensas, o anti-semitismo das massas, que milita neste sentido. Até o ter posto um dos seus melhores discursos na sua boca o faz:

Hath not a Jew eyes? Hath not a Jew hands, organs
dimensions, senses, affections, passions; fed with
the same food, hurt with the same weapons, subject
to the same diseases, heal'd by the same means
warm'd and cool'd by the same winter and summer
as a Christian is? If you prick us, do we not bleed?
If you tickle us, do we not laugh? If you
poison us, do we not die?
And if you wrong us, shall we not revenge?
.
.
Mas não se pense com isto que o Homem era como o tendemos a pintar: moderno, de visão tão adiantada que despreza o anti-semitismo. Não, Shylok é o vilão, e é punido de todas as formas possíveis e imaginárias (enfim, na conclusão recebe "clemência" cristã). Aliás, até 1847, foi sempre representado ou por um palhaço ou como um monstro.
O meu argumento é que, num escritor, o que distingue uma boa história de uma obra de génio, está na empatia. E Shakespeare, mesmo sem conhecimento em primeira mão, tinha-o.

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